Classe Trabalhadora, Ação direta e Alienação política[1].
Pretendo, nestas breves linhas, discutir os conceitos acima, utilizando para tal os trabalhos de Thompson (Prefácio e As Fortalezas de Satanás. In: A Formação da Classe Operária Inglesa) e Marx (O Trabalho Alienado. In: Manuscritos Econômico-Filosóficos). Fornecerão a base para toda reflexão o conceito de classe trabalhadora e os episódios de ação direta mencionados por Thompson em sua obra, assim como a idéia de alienação do trabalhador desenvolvida por Marx.
A contribuição de Thompson para uma maior compreensão da classe trabalhadora passa essencialmente pela idéia de “autofazer-se” da classe, assim como através de uma análise profunda de aspectos até então marginalizados nesse debate, classificados como “subpolíticos” por outros intelectuais. Tomando a classe trabalhadora como fenômeno histórico e não como “estrutura” ou “categoria”, esta que deve ser pensada por isso, num determinado período e contexto históricos. O fazer-se a si mesmo da classe trabalhadora demonstra que ela é sujeito de sua própria trajetória. Não só está presente nesse acontecimento como é ator principal desse processo.
Como o autor é marxista, a idéia de antagonismo essencial está presente na sua concepção da classe operária. A experiência de classe, entendida como compartilhamento pelos indivíduos de experiências e condições materiais de vida semelhantes, é determinada, em grande medida, pelas relações de produção em que os homens nasceram ou ingressaram compulsoriamente. Entretanto, a consciência de classe para Thompson aparece influenciada pelas relações de produção, e não determinada. Dessa forma o autor afirma não existir uma lei no sentido de um modelo para ser considerado como consciência legítima de classe. Esta deriva de aspectos culturais gerados por essa experiência, essa vivência cotidiana.
É aqui que Thompson recorre a aspectos considerados “subpolíticos”, irrelevantes para análise pela maioria dos intelectuais que pensavam a questão da formação da classe trabalhadora. É nesse ponto que considero sua análise extremamente rica e importante para o debate da classe operária. Analisando eventos como as canções populares, freqüência às tabernas, bebedeiras e, principalmente motins e turbas, percebe-se que através desses fatos os “sem linguagem articulada” conservavam e produziam certos valores e concepções da realidade.
Na Inglaterra do século 18 e início do 19, no contexto da Revolução Industrial, ocorreram inúmeros motins devido ao preço do pão, pedágios, resgates (busca por participantes dos motins que haviam sido presos), greves, nova maquinaria, fechamento das terras comunais, recrutamento e outras tantas injustiças. Esses motins eram ações diretas[2] contra as injustiças impostas diariamente aos trabalhadores nesse período histórico. Todas essas ações, principalmente as levadas a cabo pelo preço dos alimentos, eram legitimadas pela idéia de economia moral que classificava como imoral qualquer forma de aumentar o preço dos alimentos para tirar proveito das necessidades do povo. Essas ações são encaradas pelo autor como “fermento” do fenômeno histórico “Classe”.
Thompson chama atenção para os problemas gerados pelo emprego dos termos motim e turba para designar essas manifestações populares contra injustiças, reduzindo-as à aglomeração de indivíduos criminosos tomados pela ânsia do roubo e do caos. Mencionando outro pesquisador que faz essa distinção (Rudé), atenta para o termo multidão revolucionária como sendo mais pertinente. A questão dos termos empregados não pode passar despercebida em caso algum. Sabemos muito bem que as palavras carregam significados que podem facilmente deturpar ou obscurecer um fenômeno. O fato de algumas dessas ações serem motivadas por pessoas “acima” ou à parte da multidão que a empregavam como instrumento de pressão para obtenção de seus próprios interesses não pode desvirtuar a análise do todo.
Quanto ao conceito de alienação política, o que fiz foi um exercício de reflexão em cima do que Marx entende como alienação do trabalhador. Após refletir acerca do contexto político em que vivemos no Brasil e que classifico como ilusória democracia representativa, percebi que seria extremamente cabível adaptar a idéia da alienação do trabalho para o campo político, uma vez que a política e o econômico relacionam-se amplamente. Numa breve demonstração do que estou dizendo, a frase “O trabalhador põe a sua vida no objeto (produto do seu trabalho); porém agora ela já não lhe pertence, mas sim ao objeto”. Adaptando-a para o campo político, ela ficaria assim: “O cidadão põe a sua força política no voto; porém agora ela já não lhe pertence, mas sim ao político/partido político”. Nesse exemplo a idéia fica mais clara: “A alienação do trabalhador no seu produto significa não só que o trabalho se transforma em objeto, assume uma existência externa, mas que existe independente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição a ele; que a vida que deu ao objeto se torna uma força hostil e antagônica”. No campo político ficaria assim: “A alienação política do cidadão no seu voto significa não só que o voto se transforma em objeto, assume existência externa, mas que existe independente, fora dele e a ele estranho, e se torna um poder autônomo em oposição a ele; que a sua força política, desprezada no voto, se torna uma força hostil e antagônica”.
A alienação política, assim como a alienação do trabalhador, não se refere à ignorância ou desconhecimento, mas sim ao tornar alheio ao trabalhador e ao sujeito político suas potencialidades e capacidades. Na medida em que o indivíduo, ao invés de lutar contra as injustiças impostas pela classe dominante como faziam os trabalhadores na Inglaterra da Revolução Industrial, através de ações diretas que garantiam a obtenção de suas expectativas, é levado, por diversas razões, a acreditar que seu papel social na ilusória democracia é o de apenas escolher quem vai “melhor” representa-lo politicamente através do voto, ele deixa de ser sujeito de sua própria historia. Anula-se como sujeito político e passa apenas a posição de mero espectador da realidade.
Embora esteja citando repetidamente a classe operária inglesa durante a Revolução Industrial, obviamente que temos uma série de exemplos semelhantes de ações diretas muito bem sucedidas em terras brasileiras. Temos um exemplo muito próximo. O episódio que ficou conhecido como a “Revolta das Barcas” nos anos de 1950, quando a população incendiou a estação devido aos péssimos serviços e condições oferecidas pela concessionária privada do transporte, obrigando o serviço a retornar para o âmbito estatal é um exemplo claro e inquestionável do potencial transformador da ação direta em comparação com a inércia do fornecimento do voto.
Muitas outras reflexões acerca dos temas e conceitos aqui discutidos não puderam entrar nesse breve texto. Se houver interesse, concordância ou concepções distintas do tema, seria interessante o desenvolvimento do debate. As discussões podem ser ampliadas e levadas mais a fundo pessoalmente ou via e-mail.
(fabi_omelczuk@hotmail.com).
[1] Conceito elaborado por mim com base na idéia de alienação do trabalhador construída por Marx.
[2] Detalhes e registros dessas ações da época infelizmente não couberam nesse texto devido à escassez de espaço.
Fabrício “Gaúcho” (7° período)
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